sexta-feira, 12 de novembro de 2010

BEATIFICAÇÃO DE IRMÃ DULCE



      A data para a cerimônia de beatificação de Irmã Dulce já foi definida. A missa com o rito que tornará beata o "Anjo Bom da Bahia" acontece no dia 22 de maio de 2011, no Parque de Exposição (Av. Paralela), em Salvador. O horário da missa ainda não foi definido.


      O Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, Cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo, designou o padre Manoel Filho como coordenador do evento. Padre Manoel também esteve a frente do evento de irmã Lindalva, religiosa que viveu na Bahia e foi beatificada em 2007. 


      A comissão organizadora do evento, composta por padres, leigos e representantes das Obras Sociais Irmã Dulce, em breve começa a se reunir para dar os encaminhamentos necessários.


      O decreto de beatificação de Irmã Dulce (1914-1992) foi assinado pelo Papa no dia 10 de dezembro. Em outubro, a Congregação para as Causas dos Santos já havia reconhecido um milagre atribuído à religiosa, encerrando o processo que começou em junho de 2001.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

CELIBATO

Pe. Paulo Ricardo de Azevedo Júnior

O sacerdote e o profeta cambaleiam embriagados, tontos de vinho, a vista embaralhada no momento das visões. As mesas estão cheias de vômito [cena típica de uma embriaguez coletiva]). É só lei e mais lei. (Is 28, 7ss.

Aquilo que Deus pede de nós se torna uma língua estrangeira se estamos embriagados.

Por que tomei este versículo? Por que é justamente este o problema do celibato na Igreja. Muitos falam de crise de vocações e dizem: a falta de vocações é um problema, por que a Igreja de Roma, o bispo de Roma, que é um usurpador dos direitos das dioceses, das Igrejas Particulares, ele quer impor a todos o celibato. Existem alguns padres no Brasil, e não estou dizendo uma teoria, estou denunciando uma realidade da Igreja do Brasil – que dizem assim: Se o Papa quer o celibato, que ele viva! Nós não queremos! Queremos a liberdade do celibato, e já que o Papa não libera o celibato, nós vamos liberar na prática. O Papa é um velho de 80 anos, mas nós somos jovens, queremos viver o amor livre. Isto já é um movimento dentro da Igreja do Brasil. Não pensem bondosamente que esta mentalidade é uma luta pelo padre casado. O casamento supõe castidade cristã, supõe fidelidade, e isto também é complicado. Achamos que castidade é difícil só para quem é celibatário. Não, castidade é desafio para todos, também para quem é casado. Muitos jovens me dizem: Não sei como você agüenta o celibato, e eu respondo: Não sei como você agüenta a castidade no casamento, pois ela é dura e difícil. Existe um movimento ideológico, sem nome, sem partido, sem registro no cartório, mas está aí este movimento que quer acabar com o celibato na prática. E digo isto sem medo de errar, e para abrir os olhos de muitos de vocês. Esta realidade é a fumaça do demônio dentro da Igreja Católica do Brasil. E então se diz: Faltam padres por causa do celibato, por causa desta cruz pesada que o Bispo de Roma impõe aos padres do ocidente.

O que falta não são vocações, o que falta é fé. A crise na Igreja Católica, de modo especialíssimo, a crise da Igreja Católica no Brasil, é uma crise de fé. As pessoas não acreditam mais. Por que crise de fé? Preciso dizer bem claro: por que o celibato é um carisma e fica muito difícil entender um carisma se não tenho fé. Por exemplo, é difícil acreditar que o dom de línguas é um dom de Deus se você não tem fé. Torna-se um negócio ridículo pura e simplesmente. Se Deus não age, se não é ação de Deus, como é que algo vai ser carisma, como é que vamos acreditar no dom de cura, nos milagres, no dom de profecia, no dom de palavra de Sabedoria. Como vamos acreditar em um carisma se não temos fé? A mesma coisa acontece com o celibato. O que falta é a fé!

É na falta de fé que está a raiz do problema. Que falta de fé é esta? Fé em que? Fé em acreditar que a proposta do Evangelho é caminho de felicidade!

Bismarck, famoso ditador da Alemanha, dizia que uma mentira dita um milhão de vezes, torna-se verdade. É assim na cabeça do povo, especialmente do povo brasileiro. A mentira dita um milhão de vezes é a seguinte: Ninguém é feliz sem sexo! Portanto, o sexo tornou-se um valor absoluto, ele traz a felicidade, em si mesmo! Em palavras mais claras: o sexo tornou-se Deus. Pois, uma coisa que em si mesma traz a felicidade é Deus, não é? Na realidade, muitos têm um outro Deus, um Deus que não é Deus – o Deus do sexo. É necessário que voltemos à fé do evangelho, que acreditemos realmente naquilo que o Senhor nos propõe – a castidade cristã, o celibato.

Como vamos chegar a isto? Apontamos até agora o problema, precisamos então resolve-lo. Este problema precisa ser resolvido primeiro dentro da gente, para que possamos também pregar isto. Um padre que não acredita na felicidade do seu celibato, será um padre que não empolga ninguém. Ninguém se empolgará com um padre cabisbaixo, entristecido – Infelizmente não tenho mulher, fazer o que!. Onde é que está a felicidade, a beleza do celibato?

Num primeiro momento, precisamos ver a beleza da sexualidade humana. O nosso tempo perdeu a noção de beleza da sexualidade. Não temos mais noção da beleza, pois o belo é algo gratuito, é inútil. Nós, por outro lado, estamos em uma sociedade onde o que vale é o que é útil, então, claro, o que é belo não tem utilidade. Fizemos uma reforma no seminário de Cuiabá, construímos uma capela bonita. Quantos padres entraram lá e disseram: Pra quê você gastou tudo isso? Por que realmente é inútil, o belo é inútil, e por isso, está desaparecendo! Ninguém se preocupa com o belo.

Se há alguma preocupação, é pelo seu próprio belo, numa visão narcisita – Eu preciso ser bonito. Produzir a mim mesmo.

Existe uma beleza em ser como Jesus e ser e sonhar como Jesus é. Existe uma beleza na sexualidade que Deus nos deu. Se queremos a beleza de ser como Jesus, precisamos entender primeiro a beleza da sexualidade humana. A sexualidade humana é uma obra de arte, uma maravilha.

E este é o primeiro passo que precisamos dar como celibatários ou futuro celibatários:

1o – Eu preciso arrancar o sexo das mãos do demônio e colocá-lo nas mãos de Deus – Pois, de tanto ver o sexo negativamente, muitas vezes, vemos o sexo como coisa do demônio. É como se Deus tivesse criado o homem assexuado e o demônio foi e criou o sexo. Mas o sexo é criação de Deus, portanto, é uma beleza. Como padres celibatários, precisamos saber cantar a beleza da sexualidade humana: o sexo é bonito, é maravilhoso, é um presente de Deus. Que, infelizmente, como tudo o que faz o demônio invejoso, ele pega o que é de Deus e perverte. O sexo foi feito para ser vivido no amor de total doação de um homem por uma mulher e de uma mulher por um homem, para que os dois dêem origem à vida. Meu próprio corpo fala isso. O corpo humano é um sacramento que me indica. O sexo fala de mim, da minha pessoa. O sexo fala de onde eu venho e para onde eu vou. De onde eu venho? De uma doação mútua de um homem e de uma mulher. Eu mesmo sou um presente. Um presente que foi me dado por Deus. Que eu mesmo recebo, eu me recebo como presente de Deus. A sexualidade humana me fala deste dom gratuito, aleatório, parece louco, caótico, mas não é um mero acaso, é a vontade divina. A união de um homem e de uma mulher me fez puro dom e presente de Deus. O sexo fala da minha origem: eu não me mereci, não me planejei, nem meus pais me planejaram, eles nos receberam. O meu corpo não só fala da minha origem mas fala para onde vou? Qual é o meu destino. Meu corpo fala-me que nasci para amar. É aqui que vem outra verdade importante: é necessário que saibamos que fomos feitos para ter uma relação sexual com uma mulher. Parece bobagem dizer isto, mas muitos não se dão conta disso. Muitos pensam que celibato é solteirice, ou seja, sou solteiro para o resto da vida. Mas o celibatário não é um solteiro. Um solteiro é alguém que aguarda o encontro da pessoa para a qual ele vai se doar, no amor do matrimônio. O celibatário é outra coisa. É importante que saibamos que cada célula de nosso corpo, tudo aquilo que somos, o nosso corpo nos diz que fomos feitos para nos entregarmos a uma mulher. Só este pequeno capítulo aqui é uma cura interior, que deve ser muito bem trabalhado, em oração de cura interior, para aqueles que, possivelmente, não aqui, na lua, para aqueles que tenham alguma tendência homossexual, mas não aqui, na lua – aqui não tem ninguém. O fato de termos nascido para nos entregar a uma mulher é uma verdade de Deus, esta é a verdade a meu respeito. Não existe esta mentira de que é questão de opção sexual – Ah não, eu opto! Como posso escolher entre o sorvete de morango ou de chocolate, eu opto entre ter sexo com um homem ou uma mulher! Esta é uma mentira que qualquer manual de biologia da oitava série pode desmentir. Por que você estuda aparelho reprodutor em um capítulo e aquilo significa reprodução. E não adianta fazer raciocínios mil – a verdade de Deus é esta! É a verdade escrita por Deus em nosso corpo. O meu corpo fala de mim. Se Deus quer de mim o celibato, aqui se supõe um carisma, uma graça. É por isso que ninguém acredita no celibato. Por que? Por que se não houver intervenção de Deus, não tem sentido. E agora eu pergunto: esta sociedade que está aí fora e até mesmo muitos padres, acreditam que Deus age em nossas vidas? Estou convidando vocês para que entrem em uma visão de mundo diferente. Apaga da sua cabeça o que você recebeu de errado de uma sociedade pagã e ponha agora a verdade cristã em sua cabeça e em seu coração. A verdade cristã é a seguinte: Deus age, Deus está presente em nossa história, Deus intervém, não necessariamente milagrosamente, mas intervém sobrenaturalmente sempre. Tomamos café da manhã, agradecemos a Deus pela comida, mas, não aconteceu nenhum milagre. Deus não proviu miraculosamente o alimento. Nesta realidade perfeitamente natural, você enxerga uma intervenção divina, por que você tem fé. Quem não tem fé, come de qualquer jeito. É maravilhoso enxergar a ação de Deus nas coisas mais corriqueiras e banais. Temos que agradecer a Deus por tudo aquilo que nos dá e também por aquilo que ele nos nega. Quando diz não é por que ama você. Agradeça a Deus também por aquilo que ele nunca te deu. Temos que entrar em uma outra visão do mundo, ver Deus que está ao nosso lado Emanuel – Deus conosco – este é o mistério que celebramos no Natal. Deus está conosco, caminha junto conosco. Não é o grande arquiteto que criou o mundo e largou-o. Se você existe agora, é porque Deus está sustentando você no ser. Se ele tira a mão, você cai no nada. O próprio fato de você existir é plena atestação e testemunho da fidelidade de Deus. Não somos seres autônomos, somos seres recebidos. Deus sustenta o mundo no ser. E isto é importantíssimo em nossa espiritualidade – ele intervém em cada momento, em cada segundo para que você exista. É intervenção divina. Aquilo que nós chamamos de lei da natureza na teologia chamamos de fidelidade de Deus. Lei da natureza: nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Lei da teologia: uma vez criado, Deus não volta atrás, ele não se arrepende, pois ele é fiel. O celibato é intervenção divina. Por isso, é muito claro e evidente que em uma sociedade e em uma Igreja em crise, onde as pessoas já não acreditam mais, é óbvio que o celibato não faz sentido. Claro, eles olham a natureza das coisas, o homem foi feito para a mulher e vice-versa, e pronto. E ficam nessa realidade, na realidade puramente física, não olhando na realidade da intervenção de Deus. O trecho de Isaías que eu citava no início, expressa a realidade de muitos padres que na hora da visão, têm as vistas cansadas, não enxergam as coisas como Deus as enxerga e como a Igreja nos ensina. Por isso o primeiro passo deve ser um ato de fé.

2o – O celibato é um carisma, intervenção de Deus. Então, o celibatário não é alguém que abomina o sexo, mas alguém que ao celebrar o sexo e perceber que o sexo é algo tão maravilhoso e tão bonito, é capaz de entregá-lo para Deus. Entregar a sexualidade bela para Deus. E como vamos entregar? Isto é carisma, é dom de Deus. Pois é ele que nos dá a capacidade de amar. Se existe alguém que ama na face da terra é por que o Espírito Santo nos deu este presente.

3o – Eu sou um dom recebido, feito para ser doado. Isto quer dizer que somos filhos. O filho é aquele que se recebe. Eu não me fiz. Não sou um cogumelo que brota na grama sem pai nem mãe. Me recebi como dom e como presente. Desta verdade tenho a lei fundamental de capacitação para a castidade cristã e para o celibato. A lei fundamental é a seguinte: só é celibatário quem sabe que é amado e sabe que é capaz de amar. Temos então dois grandes entraves, dois grandes problemas em nossos seminários – muitas vezes por um ou por outro problema, ou pelos dois problemas, o seminarista não é capaz de amar, não é celibatário. O seminarista não se ama, não enxerga que recebeu amor e então, não é capaz de amar. O que é o amor? É a doação de si! Ou seja, eu sei que alguém se entregou por mim, eu sei que alguém me amou, sei que sou amado. Dizer que somos amados significa que alguém se entregou por mim, alguém se destruiu para que eu fosse. Alguém entregou algo de si ou todo o seu ser para que eu fosse. E a grande verdade é esta: nós somos amados primeiramente, especialmente, por Deus! Deus se entregou por mim, portanto, se não há esta verdade em minha vida, eu não serei celibatário. Um padre frustrado, que não se sente amado, pode ser casto como um anjo, mas isto não é verdadeira castidade. Pode ser puro, sem sexo, mas não é celibatário. A cadeira na qual vocês estão sentados, também é pura e sem sexo, mas não é celibatária. Por que? Por que ela não sabe que é amada! O celibato é uma realidade de amor: Eu sou amado e por isso também amo! Que coisa extraordinária que eu exista! Que coisa extraordinária que Deus tenha me escolhido, que eu tenha nascido! E quanto menos dotado, bonito, inteligente você for, mais está clara a predileção de Deus! Um testemunho: eu antigamente, me odiava, não gostava de mim mesmo! Desde os 12 anos de idade, pus na cabeça que queria ser padre. Já pensava isto antes, mas só aos doze anos as coisas se definiram. A coisa para mim estava certa. Tive mudanças quanto a conversão, o que é diferente. Vocação não significa necessariamente conversão. Tem muito padre que necessita de conversão. Eu não gostava de mim mesmo! Sempre fui assim: 1,84, magro, como sou hoje! Imagine só: com quinze anos de idade já tinha esta altura! Era muito magro, mais magro do que sou hoje! Quando fui para Roma, engordei quase 20 quilos. Imagine como eu era magro! Pois bem, eu andava sempre de social, camisa de manga comprida, alguém me perguntava: por que você anda assim? Eu vou ser padre! Então eu já era padrequinho desde os 12 anos de idade. Desculpava-me dizendo: pudor eclesiástico, compostura eclesiástica. Que nada, eu tinha era vergonha do meu corpo. Usava manga comprida por que achava meu braço horroroso, magrelo. Depois veio a adolescência, começou a ficar cabeludo, parecia que eu era o elo perdido entre o homem e o macaco. Um palito seco e cabeludo – que coisa linda! Na casa de meus pais tinha piscina, mas era preciso pagar um alto salário para eu entrar na piscina: Eu não entrou na piscina, vou ser padre! Que nada, eu tinha era vergonha de tirar a camisa. Tinha vergonha de aparecer sem camisa. Depois começou o cabelo a cair, esta testa avantajada, sinal de grande inteligência. Fui dotado também de orelhas discretas, dentes charmosos, além de ter este tórax imenso, de nadador da seleção brasileira. Era uma tragédia. Eu definitivamente não me amava. Então, o que é que eu fiz: mergulhei nos estudos. Pelos menos no que dizia respeito a roupa bonita e notas, ninguém poderia dizer que eu era feio. Tinha nota boa, era elegante. Tudo bem! Eu me amava assim! Até que finalmente, Deus é Deus, e ele foi mostrando o seu amor por mim. O que me levou a ver o amor de Deus: um pensamento muito simples. Gostava muito de matemática, e comecei a calcular a probabilidade de nascer um outro filho de meu pai e de minha mãe que fosse muito mais bonito do que eu. E esta probabilidade não era muito distante. Minhas irmãs são as duas muito bonitas, de feioso na família só saí eu. Quem as conhece, logo pergunta – São suas irmãs? Olha para mim, olha para elas e diz: Não acredito! Eu pensei – quantos homens mais bonitos do que eu poderiam ter nascido do meu pai e de minha mãe. Chutando por baixo, 1 bilhão! Pois bem, imagine um exército imenso, os mais bonitos na frente, Deus se reúne e escolhe a mim. E Deus diz: O feioso e orelhudo ali no fundo! Quem eu? É você! Você que irá nascer! Os outros mais bonitos, hábeis, inteligentes, não irão nascer, pois foi a mim que ele amou, ele me quis. E foi isto que me salvou! Hoje tiro a camisa, faço festa, e não há problemas! Não tenho mais complexo com relação ao meu corpo. Podemos pensar outras dez mil coisas, mas é importantíssimo que você saiba que Deus amou você se quer realmente ser celibatário. Se receba como presente – Ele me quis!
Como é que eu sei que posso amar? Aqui, temos o dom, a graça, o privilégio do Espírito Santo. É um dom infinito de Deus quando um homem aprende a amar. Só as pessoas humanas amam. Amar quer dizer renunciar para que o outro seja feliz! E existe aqui o fundamento da nossa liberdade: “O homem é livre na medida em que não depende de nada, e de ninguém, mas apenas daquilo que ama!” (Amedeo Cencini). A conseqüência lógica é ao contrário: O homem é escravo quando depende daquilo que não pode e não deve amar! Ou porque aquilo não é digno de ser amado, ou porque a sua identidade não está ali. Eu nasci para amar alguém. E quando começo a amar coisas que eu não deveria amar, perco a minha liberdade, a minha identidade. Esta definição de liberdade é de uma verdade psicológica, teológica, filosófica, espiritual, que merece o prêmio Nobel de filosofia, se existisse. Se você é livre é porque você não depende de nada, nem de ninguém, a não ser daquilo que você ama. Eu amo a Deus. Se você ama a Deus, ou você está aprendendo amar Deus, ou você deseja amar Deus, pois bem, dependa só dele, não dependa de mais nada. Seja livre! É neste ponto que se revela diante de nossos olhos a maravilha do celibato. O celibato não é uma lei, como diz Isaías: lei mais lei. O celibato não é questão de lei, é liberdade. É a liberdade que a Igreja concede aos padres. Liberdade maravilhosa, de só depender daquele que eu amo, e de mais ninguém. Se você nasceu para amar uma mulher e para se entregar a ela, por que esta é a vocação de Deus, e este é o carisma do matrimônio, que Deus te dá, então você casa, se entrega àquela mulher, e fazendo isto você está também amando a Deus, pois está obedecendo a ele. Mas nós padres somos chamados a ser livres totalmente, e isto quer dizer amar somente a Deus e ser livre com relação a tudo o mais. É o espaço da liberdade que se abre diante de nossos olhos. Porém, temos que lembrar que este celibato é humano. Você é capaz de amar. Vemos que somos capazes de amar por que isto nos atrai, por que vemos esta capacidade dentro da gente. Que maravilha poder amar, poder me doar, me derramar de amor! Este é um dom extraordinário de Deus.

Precisamos agora, depois de ter colocado fundamentos teológicos e psicológicos para o celibato, passar para a parte prática. É preciso que tudo isto se transforme em vida.

Não existe muita mágica, mas existe vida! Não é mágica ser celibatário. Existe uma realidade importante: nós não inventamos o celibato. Você não precisa experimentar tudo para o celibato dar certo. Existe uma tradição bonita e antiga dentro da Igreja que nos ensina a ser celibatários. Uma das coisas maravilhosas do Concílio Vaticano II e da Renovação Carismática é o retornar às fontes, às origens, nos padres da Igreja. Nada é mais em sintonia com a Renovação Carismática do que cultivar uma espiritualidade dos Padres da Igreja.

Uma dica: a Renovação Carismática tem no mundo duas correntes teológicas: a corrente americana, que é a original, e que a meu ver não é a melhor. A sociedade americana é muito embebida pela mentalidade evangélica, protestante. Eles pensam muito como os protestantes. Infelizmente são estes os livros mais traduzidos, lidos, decorados, aqui no Brasil. Mas existe uma outra corrente teológica na Renovação Carismática que é a Européia, de grandes nomes, infelizmente não muito conhecidos no Brasil, o mais conhecido de todos no Brasil é o Padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, que por acaso é patrólogo. E vocês conheceram o ano passado mais um: Daniel Ange. Se você lê os livros dele, verá que é Padre da Igreja do início ao fim. Ele é embebido em Patrologia. Em espiritualidade da Igreja antiga. E isto é muito conforme ao espírito fundacional da Renovação Carismática, pois a Renovação quer ser um renovar da Igreja através de suas fontes, de suas origens. Só que a Igreja em suas fontes, não era protestante, era católica. Tinha santos Padres, teólogos, autores espirituais importantíssimos. Existem muitos patrólogos famosos que são da Renovação Carismática. Um deles é o próprio Cardeal de Viena, Christoph von Schönborn, é especializado em Patrística e é da Renovação Carismática. É o meu candidato a Papa. Ele é muito ligado à Renovação e é muito voltado para a Patrística, especializado em espiritualidade do oriente cristão, S. Máximo Confessor. Se fôssemos um pouco mais estudiosos teríamos acesso a estes grandes teólogos. É muito mais fácil ler um livrinho aí com versículos bíblicos um atrás do outro. Tá bom! Se vamos na solidez da tradição católica, alcançamos muito mais. A Renovação nasceu nos Estados Unidos mas se solidificou na Igreja Católica por causa do esforço destes teólogos europeus. Nós não estamos inventando o celibato, já existe uma tradição da Igreja, temos de olhar para os Padres da Igreja, que nos ensinam a viver o celibato! Temos de olhar para uma tradição de 2000 anos. Não para uma tradição de 30 anos. Se não olharmos para a tradição do como se vive o celibato, estamos arriscando a dar com a cabeça na parede o tempo todo! Não podemos inventar o celibato, temos de recebê-lo da tradição.

O celibato está ligado ao amor, está ligado à nossa capacidade de desejar, de desejo. E aí vem o grande problema para nós, geração dos anos 90, a now generation, geração do agora, tudo tem que ser agora. Esta geração precisa ser curada em sua capacidade de desejar. Por que esta é uma lei psicológica: se você faz tudo o que você deseja, você mata a sua capacidade de desejar. Se toda vez que você sente vontade de fazer sexo, você faz, a sua vontade de desejar vai morrendo, então precisamos purificar a nossa capacidade de desejar. Ela está embotada, amarrada, embaçada, não está enxergando as coisas, portanto, não deseja as coisas. É por isso que somos gente deprimida, tão para baixo, jovem que tem tudo para ser energia, para ser vida, é todo desanimado. Existem os momentos de euforia provocados por sexo, drogas, álcool, rock, em que se faz tudo o que se deseja e depois que fez tudo o que deseja, vem aquele longo momento de depressão, fica-se a semana deprimido, esperando o sábado à noite, injeta-se droga, bebe álcool, euforia novamente, depressão novamente... A sua capacidade de desejar vai morrendo. Quando mais sexo você faz, menos você é um homem capaz de desejar, menos será capaz de amar. Aqui é que está a dificuldade que temos de amar. Por isso é necessário a mortificação, renúncia, ascese.

1o – O que é ascese? Vem do grego askeo, quer dizer exercício, exercitar-se. Precisamos renunciar, abster-se. Não podemos dar tudo que nosso corpo quer. Quando vemos na tradição da Igreja que se ensina aos padres, aos seminaristas, que é necessário renúncia, ascese, não estamos falando de coisa do passado, estamos falando de algo que nos ressuscita, que ressuscita a nossa capacidade de amar. Se masturbe trezentas vezes seguidas e veja o que sobrou de sua capacidade de amar. A masturbação mata a nossa capacidade de amar. A pornografia mata a nossa capacidade de amar. E como vamos nos livrar da pornografia, da masturbação e de tudo aquilo que mata a nossa capacidade de amar? Através de uma vida ascética. É necessário começar a negar ao seu corpo o que ele deseja. Se você mora em algum seminário em que o reitor já ensinou você a ser asceta, a fazer jejum, abstinência, levante os braços para o céu e agradeça a Deus, pois a maior parte dos seminaristas nunca ouviu isto. E se por acaso ouviram, ouviram de uma forma que não atrai e que não explica o por que. Ascese é ressurreição. O jejum é ressurreição. É maravilhoso por que ressuscita a minha capacidade de amar. Os Padres da Igreja nos ensinam. Só existe celibato com ascese – esta é uma verdade de nossos dois mil anos de Igreja. Precisamos reaprender isto por que principalmente nós, da geração do agora, por que tudo que queremos é para agora, tudo deve ser feito, principalmente nós precisamos da ascese. Aqui vem um problema: se você faz ascese hoje é uma coisa. Você precisa adotar um estilo de vida ascético. Você não está querendo ser casto hoje, você está querendo ser celibatário o resto da vida. Como diz Jesus: Se você vai entrar na batalha, calcula o teu exército. Você vai enfrentar uma batalha e o cara que vem tem 20.000 homens, então, trate de arranjar o teu exército. Esta história não dá certo se você não tiver um estilo de vida ascética. A teologia da libertação anda dizendo por aí o seguinte: o padre tem que ser como o povo, fazer o que o povo faz, andar onde o povo anda, chinelo de dedo – festa, chopp, noitadas, dança. Se você for igual ao povo você vai terminar igual ao povo. O povo não é celibatário meu irmão! Você tem que, como padre, viver uma vida de padre. E não estou dizendo isto por que quero clericalizar o padre, estou dizendo que é preciso viver como padre e a sua vida deve ser diferente da vida do povo, por que fazendo tudo o que todo mundo faz e ainda querer ser celibatário é patético. Isto não existe, é contraditório. Você deve ser um asceta. Uma grande crítica que nossos irmãos do oriente nos fazem – o patriarca Bartolomeu I, patriarca de Constantinopla disse: Uma das reclamações que o Oriente Cristão tem para com o Ocidente Cristão é a seguinte: os celibatários no Oriente tem que viver um tipo de vida ascética que não é exatamente de um monge como se entende no ocidente, mas que chamamos de ascese monástica, por que se o padre se propôs a ser celibatários, não pode viver como todos os demais. Se queremos viver o carisma do celibato, temos de agir, e este agir é uma vida ascética. Portanto, não é de admirar que no Brasil se veja tantos padres que já não vivem mais o celibato, ou vivem cambaleando. E aí, vemos estes fenômenos maravilhosos: o fulano depois de 8 meses de ordenado, já está apaixonado, se junta e deixa o ministério. Tudo isto vem desta ideologia perversa: O padre tem que ser igual ao povo! Transformaram o que diz a Carta aos Hebreus, o sacerdote é retirado do meio do povo, em o padre tem que ser igual ao povo! O padre não pode ser igual, tem que viver uma vida ascética. Jejum é para nós, é para todo mundo, mas especialmente para nós. Abstinência de carne é especialmente para nós. Controle da nossa visão. Os seminaristas de Cuiabá sabem como eu sou claro: televisão não é coisa para nós! Lá só assistimos o jornal. E isto infelizmente, por que, se eu tivesse acesso ao coração dos outros, seria diferente. Não vou impor nada aos seminaristas, mas se pudesse, cortaria esta bobagem de filme – ah, o filme da semana, vamos lá, é cultura! Você vai lá, começa com cultura e termina na cama e aquelas imagens ficam gravadas para o resto da vida em sua cabeça. É tudo muito cultural! Não podemos ficar por fora não! Televisão não é para nós. É claro que existem filmes bons! É preciso saber escolhê-los! Não podemos ficar olhando qualquer coisa, assistindo qualquer coisa! Isto não é um cavalo de batalha! Ah isto é bobagem, ideologia do Padre Jonas, da Canção Nova! Nós de forma especial, não podemos! Ah mas a menina não aparece nua! É pior do que nua, por que a imaginação voa!

Precisamos viver uma vida ascética, ela nos ressuscita. Tudo aquilo que é cruz traz ressurreição. Isto é muito prático. Não é coisa de padre celibatário ficar por aí em festa, altas horas da noite, em ambientes onde a coisa é explicitamente lasciva. Você não está fazendo sexo com ninguém, mas fica a cervejinha rodando, aquela conversinha besta, a menininha lá na tua frente. Se você não vai comer não manuseie o cardápio. Precisamos ter uma vida reservada, não por que somos melhores do que os outros, mas por que estamos nos propondo uma vida diferente da dos outros. Precisamos de ascese. Não tenham medo de vigília, de fazer penitência, de acordar de madrugada, de fazer caminhada, não tenham medo de deixar de comer doces, não tenham medo de fazer todo tipo de ascese que pensarem, imaginarem e que não prejudique a saúde de vocês. Mas cuidado, pois isto também pode ser uma mentira do demônio – ah, se você fizer isto, vai prejudicar sua saúde! Eu, desde a quaresma do ano passado, decidi que não quero mais comer carne! Estou aqui inteiro e vivo, e ainda engordei cinco quilos. É claro que não devemos exagerar. Precisamos limpar a nossa capacidade de desejar. Agora, limpada a nossa capacidade de desejar, temos que começar a desejar as coisas certas.

2o - Quem o padre diocesano deve amar? O padre diocesano tem uma realidade muito concreta que é o tripé do seu celibato: 1)O amor a Deus através da vida de oração – a oração é como uma hemodiálise, precisamos rezar, uma oração onde muito mais que falar, precisamos ouvir a palavra de Deus – Lectio Divina; a Igreja coloca em nossas mãos um instrumento abençoado chamado Liturgia das Horas – a oração, quando é distribuída durante o dia, em horários precisos, tem o seu papel a cumprir; o padre tem que realmente amar a Deus naquilo que ele faz e a desgraça das desgraças é que os padres, quando celebram os sacramentos esquecem que eles tem que rezar; quando o padre vira um leitor de missal, tudo está acabado; quando celebramos os sacramentos, este ato é oração para nós também, portanto, que seja bem celebrado, externando o amor a Deus; 2) A caridade pastoral, o amor ao povo de Deus. É preciso amar o que fazemos, amar as pessoas, apiedar-se do povo, ter compaixão do povo, amar o povo. Que coisa horrorosa, onde é que arranjaram tanto padre mal humorado para maltratar o povo? Precisamos amar as pessoas que nós atendemos, com o coração de Cristo. Por que não são capazes de amar? Por que sua capacidade de amar está embotada. Não fazem ascese, não rezam, então a capacidade de amar desaparece. É verdade que todo o amor é também crucifixão. Você precisa, porém, sacrificar-se pelo povo. Saber dar a sua dose de sacrifício pelo povo: amá-los, dar atenção, carinho. Saiba dizer um não com um sorriso nos lábios. Saiba dizer um não com atenção, explicando as razões e não um não com um chute no traseiro. Depois nos admiramos quando as Igrejas evangélicas ficam lotadas. Os que mais falam do povo, são os que menos amam o povo. E ainda por cima, enfatizamos muito o dízimo. Por que as pessoas não pagam o dízimo? Por que as pessoas só dão dinheiro quando vêem serviço. Se o padre não as serve, as pessoas não pagam. Esta é uma lei básica do consumidor. Muitos reclamam: o povo não paga o dízimo, mas vive mandando dinheiro para a Canção Nova! Por que? Por que eles ligam a televisão e se sentem servidos. Eles recebem alguma coisa. Ir à Igreja para ver um padre mal humorado que só sabe reclamar da vida e ainda pagar o dízimo? Pode esquecer! Amar o povo, pois esta é a nossa salvação! A salvação do pastor é ser pastor, é amar as ovelhas! Nos santificamos no amor pastoral. 3) A fraternidade presbiteral. Por que é que os padres não se sentem irmãos? Isto faz parte do ser do sacerdote. Eu não sei em que período da história da Igreja o diabo inventou a mentira maldita de que padre diocesano não pode viver em comunidade. Esta é uma mentira maldita! Esta história de clero diocesano morando sozinho é sinônimo de perigo para a nossa conversão e para o nosso celibato. Admiro profundamente os padres que vivem isto e vivem de modo equilibrado mas, nós não podemos exigir este heroísmo e esta capacidade de todos. Mas, voltando a pergunta: Por que é que os padres não se sentem irmãos? Ninguém é irmão, ninguém se sente irmão se não tem pai. A gente só se sente irmão quando tem um pai comum. Se você tem um pai que congrega os irmãos, você se sente irmão. Nas famílias em que morre o pai e a mãe, os irmãos se dispersam. Vejo em minha casa, vou sempre lá nos finais de semana, mas nunca vou na casa das minhas irmãs. Nós sempre nos reunimos como irmãos ao redor dos pais. Agora, os bispos têm complexo de autoridade e não querem ser pais. Não querem amar os seus padres. Os bispos precisam amar os seus padres: amar dizendo não, amar dizendo sim. Amar consolando, amar corrigindo. Ser pai de verdade. A orfandade começou dentro da Igreja para os padres quando se começou a reunir padres sem um pai. Os religiosos funcionam se souberem se inserir, enquanto padres, na diocese, e ter o bispo como pai. Eles não tem, enquanto religiosos, um pai próprio, o pai deles é o bispo diocesano. O que eles tem é o irmão de turno que é eleito para assumir a função de direção – o provincial. Pai não se elege, pai a gente recebe. Nós precisamos ser irmãos ao redor de um pai e nos amar como irmãos. Portanto, saber provocar reuniões, pontos de encontro, em que gastemos o tempo com os nossos irmãos padres. Amamos quando gastamos tempo com a pessoa. Esta realidade não começa no clero, começa no seminário. Começa nessa fábrica de gente individualista chamada seminário. Por isso digo a vocês: comecem no seminário. No reitor vocês tem um pai, que vocês receberam, não escolheram. Aprendam a amá-lo. Ah mas o meu reitor é seco como farinha! Meu irmão, água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Cative o seu reitor, mas não você individualmente para ser puxa-saco dele. Junte o seu grupo do seminário e juntos queiram bem o reitor como pessoa. Ele é gente, precisa de amor, precisa de carinho. A carapaça toda da autoridade é por que vê no seminarista alguém que vai solapar, questionar a autoridade dele. O amor é capaz de remover montanhas. O amor é capaz de transformar os corações mais insensíveis quando a pessoa se sente amada. Quando forem padre, amem o bispo de vocês, gastem tempo amando o bispo de vocês. Se ele não se sente pai é por que ninguém se sente filho dele. Se você for com a atitude filial e se sentir filho e se demonstrar filho, ele começa a se sentir pai. Não fique esperando ser amado. Ame!

Estes são os três pontos para o nosso celibato: amor a Deus, amor pastoral e amor no presbitério (não existe presbitério sem bispo, portanto, amor aos padres e ao bispo). São os três lugares privilegiados nos quais precisamos amar.

O DESENVOLVIMENTO ORGÂNICO DA LITURGIA


Ao contrário do que pensam os reformistas radicais e seus adversários intransigentes, um desenvolvimento adequado da liturgia só é possível quando se dá atenção às leis internas que sustentam esse “organismo”.

de Joseph Ratzinger
Extraído de 30 DIAS, N. 12 - 2004

Nas últimas décadas, a questão da correta celebração da liturgia tornou-se cada vez mais um dos pontos centrais da controvérsia em torno do Concílio Vaticano II, ou seja, de como o Concílio deveria ser avaliado e acolhido na vida da Igreja.

Há quem defenda tenazmente a reforma e considere uma culpa intolerável que, em certas condições, tenha sido readmitida a celebração da santa Eucaristia segundo a última edição do Missal feita antes do Concílio, a de 1962. Ao mesmo tempo, porém, a liturgia é considerada como “semper reformanda”, de forma tal que, no fim das contas, cada “comunidade” faz sua liturgia “própria”, na qual exprime a si mesma. Um Liturgisches Kompendium (Compêndio litúrgico, ndr.) protestante (organizado por Christian Grethlein e Günter Ruddat, Göttingen, 2003) apresentou recentemente o culto como “projeto de reforma” (pp. 13-41), refletindo a maneira de pensar também de muitos liturgistas católicos.

Por outro lado, há também os críticos ferozes da reforma litúrgica, os quais não apenas criticam sua aplicação prática, mas também suas bases conciliares. Eles só vêem salvação na total recusa da reforma.

Entre esses dois grupos, os reformistas radicais e seus adversários intransigentes, freqüentemente se perde a voz daqueles que consideram a liturgia algo vivo, algo que cresce e se renova ao ser recebida e ao concretizar-se. Estes, além de tudo, com base na mesma lógica, insistem em que só se dá crescimento quando se preserva a identidade da liturgia, e sublinham que um desenvolvimento adequado só é possível quando se dá atenção às leis internas que sustentam esse “organismo”. Tal como um jardineiro acompanha uma planta durante seu crescimento, dando a devida atenção à suas energias vitais e à suas leis, da mesma forma a Igreja deveria acompanhar respeitosamente o caminho da liturgia através dos tempos, distinguindo o que ajuda e cura daquilo que violenta e destrói.

Se as coisas caminham dessa forma, devemos tentar definir qual é a estrutura interna de um rito, e também quais são suas leis vitais, de forma a encontrar os caminhos adequados para preservar sua energia vital nas mudanças que ocorrem ao longo do tempo, para incrementá-la e renová-la.

O livro de dom Alcuin Reid se insere nessa linha. Percorrendo a história do Rito Romano (missa e breviário) desde suas origens até a vigília do Concílio Vaticano II, ele busca estabelecer quais são os princípios de seu desenvolvimento litúrgico, haurindo, assim, da história, com seus altos e baixos, os critérios nos quais qualquer reforma deve se basear.

O livro se divide em três partes. A primeira, muito breve, analisa a história da reforma do Rito Romano desde suas origens até o fim do século XIX. A segunda é dedicada ao movimento litúrgico até 1948. A terceira - de longe a mais extensa - trata da reforma litúrgica sob Pio XII, até a vigília do Concílio Vaticano II. Essa parte se revela muito útil, justamente porque essa fase da reforma litúrgica já não é muito lembrada, apesar de se encontrarem justamente nela - como também na história do movimento litúrgico, evidentemente - todas as questões acerca das formas corretas de realizar uma reforma, permitindo também adquirir critérios de juízo. A decisão do autor de deter-se no limiar do Concílio Vaticano II é muito sábia. Ele evita, assim, entrar na controvérsia ligada à interpretação e à recepção do Concílio, ilustrando o momento histórico e a estrutura das várias tendências, o que resulta determinante para a questão dos critérios da reforma.

No final de seu livro, o autor relaciona os princípios de uma correta reforma: ela deveria ser em igual medida aberta ao desenvolvimento e à continuidade da Tradição; deveria saber-se ligada a uma tradição litúrgica objetiva e fazer com que a continuidade substancial seja salvaguardada.

O autor, depois, concordando com o Catecismo da Igreja Católica, sublinha que “mesmo a suprema autoridade da Igreja não deve modificar a liturgia arbitrariamente, mas tão-somente em obediência à fé e com respeito religioso pelo mistério da liturgia” (nº 1125; no livro, na p. 258). Por fim, encontramos ainda, como outros critérios, a legitimidade das tradições litúrgicas locais e o interesse pela eficácia pastoral.

Eu gostaria de sublinhar ainda mais, do meu ponto de vista pessoal, alguns dos critérios da renovação litúrgica já brevemente indicados. Começarei com os últimos critérios fundamentais. Parece-me muito importante que o Catecismo, ao mencionar os limites do poder da suprema autoridade da Igreja com relação à reforma, chame a atenção para aquela que é a essência do primado, tal como é sublinhado pelos Concílios Vaticanos I e II: o papa não é um monarca absoluto cuja vontade é lei, mas o guardião da autêntica Tradição e, por isso, o primeiro a garantir a obediência. Ele não pode fazer o que quiser, e justamente por isso pode se opor àqueles que pretendem fazer tudo o que querem. A lei a que deve se ater não é a ação ad libitum, mas a obediência à fé. Por isso, diante da liturgia, tem a função de um jardineiro e não a de um técnico que constrói máquinas novas e joga as velhas fora. O “rito”, ou seja, a forma de celebração e de oração que amadurece na fé e na vida da Igreja, é forma condensada da Tradição viva, na qual a esfera do rito expressa o conjunto de sua fé e de sua oração, tornando assim experimentáveis, ao mesmo tempo, a comunhão entre as gerações e a comunhão com aqueles que rezam antes de nós e depois de nós. Assim, o rito é como um dom concedido à Igreja, uma forma viva de parádosis.

É importante, nesse sentido, interpretar corretamente a “continuidade substancial”. O autor nos alerta expressamente contra o caminho errado ao qual poderíamos ser conduzidos por uma teologia sacramental neo-escolástica desligada da forma viva da liturgia. Partindo dessa teologia, poderíamos reduzir a “substância” à matéria e à forma do sacramento, e dizer: o pão e o vinho são a matéria do sacramento, as palavras da instituição são sua forma; só essas duas coisas são necessárias, todo o resto pode mudar. Nesse ponto, modernistas e tradicionalistas estão de acordo. Basta que haja a matéria e que sejam pronunciadas as palavras da instituição: todo o resto é “a gosto”. Infelizmente, muitos sacerdotes agem hoje com base nesse esquema; e até mesmo as teorias de muitos liturgistas, desafortunadamente, movem-se nessa direção. Eles querem superar o rito como algo rígido e constróem produtos de sua fantasia, considerada pastoral, em torno desse núcleo residual, que, assim, é relegado ao reino da magia ou completamente privado de seu significado.

O movimento litúrgico buscou superar esse reducionismo, produto de uma teologia sacramental abstrata, e ensinar-nos a considerar a liturgia como o conjunto vivo da Tradição transformada em forma, que não pode ser rasgado em pequenos pedaços, mas deve ser visto e vivido em sua totalidade viva. Quem, como eu, na fase do movimento litúrgico que precedeu o Concílio Vaticano II, foi tocado por essa concepção só pode constatar com profunda dor a destruição daquilo que era caro a este movimento.

Gostaria de comentar brevemente outras duas intuições que aparecem no livro de dom Alcuin Reid. O arqueologismo e o pragmatismo pastoral - este último, aliás, é muitas vezes um racionalismo pastoral - são ambos errados. Poderiam ser descritos como um par de gêmeos profanos. Os liturgistas da primeira geração eram, em sua maioria, historiadores, inclinados, conseqüentemente, ao arqueologismo. Queriam desenterrar as formas mais antigas, em sua pureza original; viam os livros litúrgicos em uso, com seus ritos, como expressão de proliferações históricas, fruto de mal-entendidos e ignorância do passado. Buscavam reconstruir a Liturgia Romana mais antiga e limpá-la de todos os acréscimos posteriores. Não era uma coisa totalmente errada; mas a reforma litúrgica é de certa forma algo diferente de uma escavação arqueológica, e nem todos os desdobramentos de algo vivo devem ter a lógica de um critério racionalista/historicista. Essa é também a razão pela qual - como o autor justamente observa -, não deve caber aos especialistas a última palavra na reforma litúrgica. Especialistas e pastores têm cada um o seu papel (tal como, na política, os técnicos e aqueles que são chamados a decidir representam dois níveis diferentes). Os conhecimentos dos estudiosos são importantes, mas não podem ser transformados imediatamente em decisões dos pastores, os quais têm a responsabilidade de ouvir os fiéis para identificar com inteligência, ao lado deles, aquilo que ajuda ou não a celebrar os sacramentos com fé hoje. Uma das fraquezas da primeira fase da reforma depois do Concílio foi que quase apenas os especialistas tinham voz no capítulo. Teria sido importante uma maior autonomia por parte dos pastores.

Sendo que muitas vezes, obviamente, fica impossível elevar o conhecimento histórico à condição de nova norma litúrgica, foi muito fácil que esse “arqueologismo” se ligasse ao pragmatismo pastoral. Decidiu-se, em primeiro lugar, eliminar tudo o que não era reconhecido como original, e conseqüentemente como “substancial”, para depois integrar à “escavação arqueológica” - quando ainda parecesse insuficiente - e “o ponto de vista pastoral”. Mas o que é “pastoral”? Os juízos intelectualistas dos professores sobre essas questões eram muitas vezes determinados por suas considerações racionais e não levavam em conta o que realmente sustenta a vida dos fiéis. De tal forma que hoje, depois da vasta racionalização da liturgia na primeira fase da reforma, está-se de novo em busca de formas de solenidade, de atmosferas “místicas” e de uma certa sacralidade. Mas, sendo que existem - necessariamente e de maneira cada vez mais evidente - juízos largamente divergentes sobre o que é pastoralmente eficaz, o aspecto “pastoral” tornou-se a passagem para a irrupção da “criatividade”, a qual dissolve a unidade da liturgia e nos põe com freqüência diante de uma banalidade deplorável. Não se quer dizer com isso que a liturgia eucarística, como também a liturgia da Palavra, não sejam muitas vezes celebradas, a partir da fé, de modo respeitoso e “belo”, no melhor sentido da palavra. Mas, dado que estamos buscando os critérios da reforma, devemos também mencionar os perigos que, infelizmente, nas últimas décadas, não se limitaram a ser apenas fantasias de tradicionalistas inimigos da reforma.

Eu gostaria de me deter ainda no fato de que, no compêndio litúrgico citado acima, o culto foi apresentado como “projeto de reforma”, ou seja, como um canteiro de obras no qual a atividade é incessante. Semelhante, ainda que diferente em alguns pontos, é a sugestão dada por alguns liturgistas católicos de adaptar a reforma litúrgica à mutação antropológica da modernidade e construí-la de maneira antropocêntrica. Se a liturgia aparece antes de mais nada como o canteiro de obras da nossa atividade, isso significa que se esquece a coisa essencial: Deus, uma vez que na liturgia a questão não somos nós, mas Deus. O esquecimento de Deus é o perigo mais iminente do nosso tempo. A essa tendência, a liturgia deveria opor a presença de Deus. Mas o que acontece se o esquecimento de Deus entra até mesmo na liturgia, se, na liturgia, pensamos apenas em nós mesmos? Em qualquer reforma litúrgica e em qualquer celebração litúrgica, o primado de Deus deveria ocupar sempre o primeiríssimo lugar.

Com isso, fui muito além do livro de dom Alcuin. Mas acredito que, de alguma forma, tenha ficado claro que esse livro, com a riqueza de suas observações, nos ensina critérios e nos convida a outras reflexões. Por isso, recomendo sua leitura