quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

COLABOARAÇÃO ENTRE CATÓLICOS E NÃO-CRENTES


Conversa com Dom Giampaolo Crepaldi, arcebispo de Trieste

TRIESTE, quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011 (ZENIT.-org) - No mundo de hoje, existe um grande debate entre leigos e crentes, Estado e Igreja, religião e secularização. E não se trata apenas de intervenções
eclesiásticas no que diz respeito às políticas que regem o Estado ou a sociedade civil.
O tema da relação entre laicidade e religião se tornou mais complexo, especialmente quando se fala sobre a ameaça do fundamentalismo islâmico, que não reconhece qualquer diferença entre ambas.
Para aprofundar no tema, ZENIT entrevistou Dom Giampaolo Crepaldi, arcebispo de Trieste, presidente da Comissão "Caritas in veritate", do Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE) e presidente do Observatório Internacional "Cardeal Van Thuan", sobre doutrina social da Igreja.

ZENIT: Excelência, em primeiro lugar, o que quer dizer para o senhor o termo "leigo"?

Dom Crepaldi: Eu acho que hoje esta palavra tem quatro significados. O primeiro é "não sacerdote" e "não religioso". Quem não é sacerdote nem pertence a uma congregação de monges, frades ou religiosos é "leigo". Minha mãe e meu pai eram leigos.

Em segundo lugar, poderíamos chamar de "leigo" quem acredita que a esfera política é autônoma da religião, mas que, ao mesmo tempo, pode usar os recursos morais e espirituais da religião, até mesmo sentir necessidade deles, pois do contrário a própria política se transformaria em um absoluto religioso.
Um terceiro significado de "leigo" se refere a quem vive e independente da religião; em outras palavras, alguém indiferente à religião.
     E, finalmente, hoje, "leigo" também pode significar antirreligioso, ou seja, alguém que combate a religião, não a deixa expressar-se, não lhe dá lugar no espaço público.

ZENIT: Seria possível estabelecer uma hierarquia entre estes significados? Em sua opinião, qual é a verdadeira laicidade?
Dom Crepaldi: A primeira definição não é um problema para ninguém. Entre as outras três, eu diria que a mais correta é a primeira (equivalente à segunda no elenco mencionado), enquanto a segunda e a terceira são incorretas, em primeiro lugar, do ponto de vista da laicidade. Então, seriam formas de laicidade pouco leigas.
ZENIT: Eu entendo que o senhor diga que quem combate a religião é pouco leigo, mas quem não a leva em consideração e é indiferente não seria um autêntico leigo?

Dom Crepaldi: Já existe uma exclusão de Deus na esfera pública. Mesmo que eu não a combata abertamente, se eu disser que a organização da sociedade não deve levar em consideração, nem minimamente, a dimensão religiosa, mas deve ser indiferente e, por exemplo, que é necessário excluir os símbolos religiosos, investir em uma educação que prescinda totalmente da religião, que o bispo não pode se manifestar publicamente e que os católicos não podem exercer sua presença explícita na sociedade, ou coisas desse tipo... então, eu estou dizendo que sou indiferente, mas, na verdade, eu fiz uma escolha baseada na exclusão.

ZENIT: Portanto, não é possível não adotar uma postura concreta com relação ao problema de Deus?

Dom Crepaldi: Não é possível. E a laicidade que diz tornar isso possível é uma farsa. A laicidade é o exercício da razão e não do engano. Você pode construir um mundo baseado em Deus ou não baseado em Deus. Não existe uma terceira possibilidade. Basear um mundo em Deus não significa ser um integralista; significa reconhecer a autonomia dos assuntos humanos, mas concebê-los dentro de seus limites e, portanto, em sua necessidade estrutural de um suplemento de recursos para serem eles mesmos. Por esta razão, um mundo sem Deus não significa um mundo neutro.

ZENIT: Além disso, hoje em dia se diz que a questão de Deus vem depois, para quem quer considerá-la. O senhor, porém, diz que está em primeiro lugar, por ser uma questão da qual ninguém pode escapar.

Dom Crepaldi: A questão de Deus é anterior a todas as outras e não há ninguém que não a considere. Isso acontece porque, quando conhecemos a realidade, imediatamente a reconhecemos como necessitada de um fundamento, ou seja, como incapaz de explicar-se por completo sozinha.

Nessa visão, já existe a ideia, embora muito geral, de Deus, que está conosco sempre. A ideia de Deus não se une, portanto, depois de elaborarmos todas as outras.

O leigo é aquele que usa a razão para organizar sua vida, mas não para absolutizar a razão e fazer dela sua prisão; o leigo é aquele que mantém a razão aberta à pergunta, permanece disponível a um suplemento de sentido que a razão sozinha não lhe pode dar, mas ao qual nos remite, já que ela percebe uma necessidade de ser completada.
ZENIT: Nesse sentido, então, apenas é leigo quem permanece aberto a Deus.

Dom Crepaldi: Eu acho que é exatamente assim, e eu vou lhe dar dois exemplos: o presidente francês, Nicolas Sarkozy, em seu famoso discurso em São João de Latrão, há alguns anos, usou a expressão "laicidade positiva". Com este termo, ele queria expressar uma atitude positiva de abertura com relação à religião. O Papa Bento XVI mostrou que ele valorizava esta expressão e a empregou em sua viagem à França, há dois anos.

O segundo exemplo é o seguinte: Joseph Ratzinger, em um famoso discurso que deu quando ainda era cardeal, convidou os leigos a "viver como se Deus existisse". Eis aqui, novamente, a questão da laicidade positiva. Seria verdadeiramente pouco leigo eliminar a dúvida: "E se Deus existir?". O crente, cuja fé não está isenta de certa incredulidade, pede ao leigo a mesma honestidade intelectual; que também viva com ele a dúvida leiga: "temos a certeza de que Deus não existe?".

ZENIT: E se o leigo não o fizer?

Dom Crepaldi: Eu acho, então, que ele não seria realmente um leigo. Ele se converteria em um dogmático e se deixaria levar por um desgosto intolerante com relação à religião, que o tornaria incapaz de ver objetivamente o seu significado; ele a trocaria por uma superstição charlatona. De fato, ele a combateria, naturalmente em nome da laicidade, que se tornaria a nova religião da antirreligião. Hoje, existem muitos deles: são leigos intolerantes.


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